A história por de trás do "dérbi da invicta"
A cidade do Porto, é o lugar onde começam as maravilhas e todas as angústias, tal como escreveu Sophia de Mello Breyner. Certo é que para os dois maiores emblemas da cidade, de angustias e maravilhas é certamente escrita a história da rivalidade entre Boavista e FCP, uma das mais antigas do futebol português. Dragões e Panteras dividem entre si, as paixões da Cidade Invicta.
Um dos grandes nomes da literatura portuguesa - Julio Dinis - ajudou a definir a geografia da cidade quando referiu..."Esta nossa cidade divide-se naturalmente em três regiões distintas por fisionomias particulares. A região oriental, a central e a ocidental. O bairro central é o portuense, propriamente dito; o oriental, o brasileiro; o ocidental, o inglês..."
O Porto, cidade de tradições, cresceu muito para além das suas antigas muralhas ao longo do século XIX. Se a ocidente eram os novos hábitos de procurar os bons ares do mar que levavam as famílias mais abastadas a tomar a Boavista como a sua residência, a oriente, a industrialização acelerada e a chegada dos comboios a Campanhã ajudaram a fazer crescer a zona, com a chegada de uma classe operária que aos poucos ajudou a construir a "cintura industrial" da Invicta.
Na Boavista, os ingleses, com as ruas iluminadas, os elétricos ou "americanos" como então se chamavam, os passeios ladeados com árvores; da Constituição para cima estavam os brasileiros, como então se chamavam aos que voltavam com fortuna do Brasil, construindo palácios e palacetes, muitos deles de gosto dúbio, provocando a inveja e o desdém da velha burguesia portuense. É também aqui estão as raízes da rivalidade dos dois clubes que ainda não haviam nascido. A geografia da Invicta, ajuda a explicar a implementação inicial das duas massas associativas.
Fundado a 1 de Agosto de 1903, por um conjunto de portugueses e ingleses que eram empregados da Fábrica Graham, pertença de William Graham, na zona da Boavista, na cidade do Porto, o clube seria batizado com o nome de Boavista Footballers. A primeira casa do clube ficava na Rua dos Vanzeleres, no que hoje seriam as traseiras da Casa da Música, bem próximo da Rotunda da Boavista. Nós os Boavisteiros, não inventamos datas!
O Boavista sofreu uma cisão quando os ingleses e portugueses se separaram por motivos religiosos. Os portugueses, na sua maioria católicos preferiam jogar ao Domingo, os ingleses, na sua maioria anglicanos e protestantes, defendiam que não se devia jogar futebol no Dia do Senhor. Os portugueses levaram a sua adiante e os ingleses abandonaram o clube, levando consigo o «footballers». A partir desse dia o clube passava a chamar-se Boavista Futebol Clube, 100% português e sem apoio financeiro de William Graham. Sem meios, o clube procurou um espaço para onde jogar e encontrou um baldio pertença da família Mascarenhas que alugou e onde passou a jogar. Essa bouça, ficava precisamente onde se encontra hoje o Estádio do Bessa.
A primeira rivalidade dos axadrezados foi com o Oporto Cricket, clube de ingleses, nascido no Campo Alegre que tinha a única equipa que jogava regularmente na cidade e que disputava encontros com equipas de Lisboa. O futebol surge portanto na zona ocidental da cidade e é no eixo Campo Alegre - Boavista que cria raízes até Monteiro da Costa dar vida ao Futebol Clube do Porto (1).
Saídos do Grupo do Destino, de que Monteiro da Costa era presidente, os azuis-e-brancos tiveram a sua primeira casa no Campo da Rainha, na rua da Rainha, hoje conhecida como Antero de Quental. A dois passos da Lapa e do Marquês, apesar da sua centralidade, o FC Porto nascia já fora do velho burgo, na zona norte da cidade e é por aí que vai ganhando raízes até se mudar para a Constituição, rua vizinha, a curta distância do Campo da Rainha.
O Campo da Rainha, localizado onde hoje fica o cruzamento entre a Rua Damião de Góis e a Rua de Antero Quental, foi o primeiro campo relvado do país, o que revela que o FC Porto nasceu em berço de ouro, contando entre os seus sócios fundadores em 1906 (não inventamos datas) alguns dos mais destacados membros da sociedade portuense.
Apesar do estádio ser em honra da monarca e as cores do clube serem escolhidas para homenagear a bandeira nacional, que então era azul e branca, a verdade é que a primeira base de apoio do clube surgiu dentro de círculos republicanos e liberais da Invicta que eram frequentados por uma certa burguesia portuense, um acontecimento comum no resto do país, durante os últimos anos da Monarquia.
Ao longo dos anos, os azuis-e-brancos foram progressivamente afastando-se do centro da cidade. Primeiro jogando no Campo de Ameal, que se localizava em Arca de Água, precisamente onde hoje se encontra o jardim com esse nome. O estádio era utilizado pelo Sport Progresso e era alugado ao FC Porto para determinados encontros, por culpa da pequena lotação do Campo da Constituição, "encurralado" entre casas e quintais que impediam o seu alargamento. É devido a este aluguer, cujos terrenos pertenciam à família Andrade que, surge a alcunha "Andrades" atribuída aos portistas, devido à disputa por os terrenos em que ambos os clubes disputavam os seus jogos.
Pelo mesmo motivo, o FC Porto passou a jogar no Campo do Lima que, no fim dos anos vinte e durante os anos trinta e quarenta, seria juntamente com as Salésias o melhor estádio de Portugal. O estádio do Lima, relvado e com a sua icónica pista de ciclismo, era pertença do Académico Futebol Clube, mais conhecido como o Académico do Porto, outro clube da zona oriental da cidade, com sede na Freguesia do Bonfim, no limite com a Freguesia de Paranhos. Na década de 50 o FC Porto chegaria novamente às Antas, onde o dragão ganhou raízes até nova mudança já no novo milénio, com o FC Porto a afastar-se mais uns metros, até se "encostar" à VCI, no atual Estádio do Dragão.
O velho rival, manteve-se fiel às suas origens, e nunca abandonou a Boavista, onde primeiro nasceu o Campo do Bessa, surgiu no começo dos anos setenta o Estádio do Bessa e no fim do século o Estádio do Bessa Século XXI. Que manteve a traça, baseada nas velhinhas 'caixas de fósforo" à inglesa, com bancadas altas e onde os adeptos estão literalmente em cima do acontecimento, criando uma atmosfera única em estádios portugueses.
Desde a primeira vez que os clubes se enfrentaram em campo foi em 1914, a rivalidade cresceu naturalmente. O primeiro jogo oficial seria disputado na primeira edição do Campeonato do Porto, os axadrezados venceram por 2x1, acabando por vencer a competição.
O Boavista conquistou a sua primeira Taça de Portugal em 1975, voltando a vencer em 1976, 1979, 1992 e 1997. Ainda em 1979 Boavista e Porto encontraram-se pela primeira vez numa final, a Supertaça, que os axadrezados venceram. Conquista que o Boavista voltaria a repetir em 1992 e 1997. Na viragem do século, 2000/01, surge o maior feito dos Panteras Negras, com a conquista do Titulo de Campeão Nacional.
Estamos de "regresso" para ficar. Boavista, até morrer!